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Entrevista com Julieta Jerusalinsky (2018)


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Julieta Jerusalinsky é psicóloga pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1993), especialista em Estimulação Precoce pela Fundación Para el Estudio de los Problemas de la Infancia F.E.P.I-Argentina (2000); mestre (2003) e doutora (2009) em psicologia clínica pela PUC-SP; membro docente da Clínica Interdisciplinar Centro Lydia Coriat de Porto Alegre/RS e membro clínico da Clínica Prof. Dr. Mauro Spinelli/SP; psicanalista membro da APPOA (Associação psicanalítica de Porto Alegre); professora do Cogeae/PUC-SP e do Centro Lydia Coriat nos cursos de especialização em “Teoria Psicanalítica”, “Estimulação Precoce: clínica interdisciplinar com bebês”, “Psicomotricidade” e “Clínica interdisciplinar dos problemas do desenvolvimento infantil”; autora dos livros “Enquanto o futuro não vem – a psicanálise na clínica interdisciplinar com bebês” (Ágalma, 2002), quarta tiragem; “A criação da criança: brincar, gozo e fala entre a mãe e o bebê” (Ágalma, 2011), segunda tiragem; e organizadora de “Travessias e travessuras no acompanhamento terapêutico” (Ágalma, 2017); e “Intoxicações eletrônicas – o sujeito na era nas relações virtuais” (org. conjunta com A. Baptista, Ágalma, 2017) .

Julieta, em junho você virá a Maceió para nos falar sobre questões importantes da Infância na atualidade. Na conferência do dia 08/06 você abordará um tema que produz inquietação nos pais e adultos em geral:  o uso dos eletrônicos na infância. O seu último livro “Intoxicações eletrônicas na infância” aponta para a preocupação com essa questão. Presenciamos crianças cada vez mais novas utilizando aparelhos eletrônicos indiscriminadamente, seja em ambientes sociais públicos ou privados. Qual é a sua opinião acerca desse uso? 

O acesso à internet modificou os modos das pessoas terem acesso à informação e de se relacionarem. Palavras até pouco tempo inexistentes e que denotam essa questão – como emoji, visualizar ou sociedade da pós-verdade – revelam que a comunicação de nossos tempos, se bem prime pela velocidade, muitas vezes vem acompanhada por um encurtamento de enunciados e por uma urgência que tem consequências no modo do sujeito contemporâneo tem de se representar discursivamente e de representar o que lhe acontece.

Com os eletrônicos que possibilitam o acesso à internet móvel, é possível comunicar-se com aqueles que estão fisicamente distantes, assim como derrete-se a separação entre o tempo de espaço e de lazer. Isso tem consequências diretas no modo de convivermos com as crianças dado que, desse modo, muitas vezes passamos a conviver de forma fisicamente presentes, mas psiquicamente ausentes, cada um olhando para a sua janela virtual, empobrecendo as trocas simbólicas por meio de conversas e do brincar com aqueles que nos cercam.

Portanto, tal questão se coloca em todo o entorno de cuidados com a criança e não simplesmente pelo seu uso direto de eletrônicos por parte desta. Por isso, o tempo de uso desses eletrônicos só pode ser pensado em relação ao tempo de convívio que uma criança tem com seus familiares. É importante situar tal questão na medida em que temos recebido cada vez mais bebês nos consultórios, perto do ano e meio a dois de idade, que não falam com os demais no sentido de estabelecer uma conversa, mas que repetem fragmentos de desenhos ou de sites para crianças. Muitas vezes os eletrônicos funcionam como uma “chupeta eletrônica” que mantém a pequena criança absorta e, portanto sem endereçar demanda aos demais, nem “incomodar” ninguém em espaços públicos como restaurantes ou meios de transportes. Mas é justamente por circular por esses espaços que a criança se situa em relação aos limites reais, simbólicos e imaginários do mundo em que vivemos, estabelecendo diálogos com aqueles que a cercam, sem isso a experiência da criança se vê profundamente empobrecida.

E quando é visível um exagero no uso do eletrônico, qual seria a melhor estratégia para o adulto lidar com isto?

Muitas vezes os adultos tem a ilusão de que a criança se veria estimulada por joguinhos virtuais que se apresentam como educativos e se surpreendem com a facilidade das crianças de navegar por ícones, na medida em que essa foi uma aprendizagem tardia para a maioria dos adultos. No entanto, diante do fascínio desses gadgets, ofertados à criança como o mais novo que poderiam lhe dar, não percebem que a lógica da brincadeira ou da conversa são muito mais complexas, porque operam em rede, e não em um funcionamento de subsequentes escolhas binárias on-off com que se costuma navegar na internet. Por isso, não basta dizer que não a isso. É preciso retomar, reconstruir o que se coloca nesse lugar, compartilhando com o bebê e a criança pequena um brincar, um convívio e uma participação nos hábitos que implicam a relação com um adulto. Não há como se poupar ou se desincumbir desse trabalho sem que isto tenha consequências para a criança, na medida em que precisamos dos outros para aprender, para falar, para brincar e não há eletrônico que substitua isso. Quando se trata de uma criança um pouco maior, é preciso pensar de que modo ela pode encontrar também amigos para brincar, na medida em que a rua deixa de ser um espaço de trocas espontâneas e, pela cultura do medo, passa a ser um lugar de perigo, estando todos confinados nos muros de suas casas atrincheirados atrás de suas telas virtuais. No entanto vamos testemunhando como vai se produzindo uma transmissão feita para as crianças não mais mediada pelos adultos (pais, familiares ou professores) implicados afetivamente em seus cuidados. O que não é sem consequências na medida em que as crianças passam a ter potencialmente acesso à toda informação, mas carecem de ter com quem singularizar os seus percursos investigativos, compartilhando experiências de forma menos anônima.

No sábado, dia 09/06, você ministrará um curso intitulado “Sofrimento psíquico na infância: da detecção precoce aos processos inclusivos”. Gostaríamos que nos contasse um pouco sobre os temas que serão abordados no curso. 

Ainda hoje em dia é frequente que cause surpresa a noção de que um bebê pode sofrer psiquicamente e que esse sofrimento tem consequências em seu desenvolvimento. Por isso é preciso que possamos estar atentos ao modo em que o bebê da a ver, em sua produção espontânea, dificuldades em seu processo de estruturação psíquica. Foi o que 40 anos de clínica com bebês nos ensinou e, na medida em que possamos estar atentos a esses critérios, transmitindo-os aos profissionais que intervêm com bebês no âmbito do acompanhamento do desenvolvimento e educação infantil, poderemos passar a detectar precocemente se  algo não vai bem a fim de intervir para favorecer a estruturação do bebê, em lugar de deixar o tempo passar à espera de fechamentos diagnósticos. Nesse sentido a dimensão da infância está acima da de qualquer patologia e por isso trata-se sustentando o marco que possibilita a estruturação do bebê e da criança, seja no contexto clínico e ou escolar.

A que público o curso se dirige?

A profissionais que intervém com a infância no âmbito da saúde, educação e assistência; e que consideram a importância de sustentar o marco que favorece a estruturação do bebê e da criança.

PROGRAMAÇÃO:

08/06 – Conferência 

“Intoxicações eletrônicas na infância” – 19h30 às 21h30.

Sessão de autógrafos – 21h30.

Livros disponíveis para venda (pagamento em dinheiro ou cheque):

Intoxicações eletrônicas: o sujeito na era das relações virtuais (2017) R$ 45
Travessias e travessuras no Acompanhamento Terapêutico (2017) R$ 65
A criação da criança: brincar, gozo e fala entre a mãe e o bebê (2011) R$ 65
Enquanto o futuro não vem: psicanálise na clínica de bebês (2002) R$ 70

09/06 – Curso

Detecção precoce de risco psíquico: o bebê em sofrimento – 8h às 12h.

Psicose e autismo na infância: reflexões para direção da cura e práticas inclusivas – 14h às 18h.

 

CAFÉS FILOSÓFICOS:

Intoxicações eletrônicas na primeira infância

Melancolia na infância

Infância e novas configurações familiares (com Maria Rita Kehl)

Infância e memória (com Antônio Prata)